Portões de Fogo – Steven Pressfield [RESENHA #01]

Inauguro a prática da resenha com um romance histórico, trata-se de “Os Portões de Fogo” (Gates Of Fire), de Steven Pressfield, obra lançada nos Estados Unidos em 1998 e no Brasil, em 2000, pela Editora Objetiva.

Título: Portões de fogo: Um romance épico da batalha das termópilas
Tradução de: Gates of fire
Tradução: Ana Luiza Dantas Borges
Ano: 2001
Editora: Objetiva
ISBN: 978-85-7302-308-4
395 p.

O pano de fundo desta narrativa de ficção histórica, são os eventos que antecedem à épica e famosa Batalha das Termópilas, ocorrida em 480 a.C, ao norte da Grécia. Neste contexto, é válido fazer uma ligeira observação, nas palavras do próprio Pressfield e dispon´íveis em seu site: “Não, não é o material de origem do filme 300.”

Considero uma digressão necessária, uma vez que essa ingrata confusão é mais comum do que se imagina. A título de curiosidade, a obra cinematográfica (2006) é baseada nos quadrinhos, de nome “300”, lançados em cinco volumes, escrita por Frank Miller e lançada em 1998, que por sua vez, teve como inspiração outro filme, “Os 300 de Esparta” (The 300 Spartans) de 1962.

Voltemos ao escopo da resenha. A narrativa é iniciada com o escudeiro grego Xeones sendo encontrado pelas forças da coalisão Persa, moribundo, debaixo das rodas de um carro de batalha, no rescaldo da batalha ocorrida no desfiladeiro das Termópilas, nome que em grego significa “Portões Quentes”. Daí a inspiração para o título do livro.

“Somente seriam enviados os Trezentos, com a ordem de resistir e morrer.”

p. 180

Após ser resgatado pelas forças inimigas, a manutenção da vida de Xeones se torna uma exigência de Xerxes (Rei da Pérsia e de mais uma miríade de territórios que ocupam um quarto de página só para listá-los) aos cirurgiões reais. Ele almeja conhecer a história daquela elite de guerreiros gregos que, mesmo em soberba desvantagem numérica, resistiu bravamente até o último homem. A elite dos 300 guerreiros gregos nascidos na Lacedemônia, mais precisamente, na cidade de Esparta.

Pressfield foi extremamente competente no modo de desenvolver sua mistura de história e ficção. Grande parte da história é contada em forma de memórias – narrada pelo próprio Xeones – enquanto suas palavras são cuidadosamente anotadas por Gobartes, historiador oficial do Rei Xerxes. No entanto, há também momentos onde a voz do próprio historiador assume. Este recurso narrativo de idas e vindas torna a leitura imersiva e enriquecida.

O arco de desenvolvimento da narrativa é dividido internamente em 8 livros, que se distribuem em torno da jornada de Xeones, desde o trágico episódio que o tornara órfão e errante – após o cerco da cidade de Astacus passando pelo seu recrutamento como escudeiro do enomotarchai Dienekes e finalizando como aguerrido partícipe na Batalha das Termópilas.

“Atestem a lição: que nada de bom na vida acontece sem um preço. A liberdade é o mais encantador de tudo. Nós a escolhemos e pagaremos um preço por ela.”

p. 222

A liberdade para mim é um tema caro, e o livro não decepciona em abordá-la de modo inspirador. Os espartanos da história são feitos de matérias-primas escassas hoje em dia: a bravura e o senso de que a liberdade não é gratuita.

Escolhi-os não por seu valor pessoal, mas pelo valor de suas mulheres.”

p. 382

As personagens femininas também são muito bem construídas, em especial Arete, esposa de Dienekes, que protagoniza uma das cenas mais importantes do livro. É notório que o vigor da sociedade espartana, conforme o descrito por Pressfield, só é possível, em parte, por conta da feminilidade e maternidade. Fato que rivaliza, em grande medida, com as obras modernas – principalmente cinematográficas – que costumeiramente exploram o raso feminismo de terceira geração, ao limite que transborda o tolerável.

“A terra cresceu, não coberta pelos corpos inimigos, mas empilhada deles. Amontoada deles. Acumuladas deles.”

p. 266

Outro ponto que não poderia deixar de ser mencionado, são as descrições das batalhas. O autor é excelso na tarefa, e a tradução não falhou em seguir esse trilho. Cada linha que narra o teatro de batalha é feita com precisão e impacto suficientes para que, com pouco esforço, se consiga até sentir os odores da peleia.

Quanto à edição, algo que poderia ser acrescentado e que enriqueceria – e muito – a experiência da leitura, seria a adição de notas de rodapé dos termos em grego. A tradução é brilhante, difícil notar que se trata de uma obra fora do seu idioma original, no entanto, estes termos – às vezes – interrompem o fluxo da leitura, pois demandam uma rápida pesquisa.

O livro é historicamente preciso?

Estou longe de ser um pesquisador de história da Hélade, porém, não pude evitar de realizar uma humilde pesquisa para medir o grau de realidade do livro. Nas últimas páginas, o autor agradece uma série de pesquisadores que serviram como consultores, portanto, é evidente que há muita precisão dos acontecimentos fora do arco ficcional. Todavia, na atualidade, já há consenso que essa leitura romântica da sociedade espartana é um exagero, principalmente no que diz respeito ao combate militar. Fazer o quê, não é?